PORTUCÁLIA

Maio 17 2012
LIVRO 3

1. A consumição diária da vida, acompanhada da permanente redução do
remanescente, não é a única coisa que temos de ter em consideração. Porque,
mesmo que os anos de um homem se prolonguem, temos ainda assim de levar
em linha de conta que é duvidoso que o seu espírito continue a manter a sua
capacidade para a compreensão da actividade ou para o esforço contemplativo
necessário à apreensão das coisas divinas e humanas. O começo da senilidade
pode não envolver qualquer perda dos poderes de respiração ou alimentação,
ou das sensações, impulsos, etc., contudo, a capacidade de usar plenamente as
suas faculdades, de avaliar correctamente as exigências do dever, de coordenar
todos os problemas que se lhe levantam, de ajuizar se chegou a altura de pôr
fim aos seus dias na terra, ou de tomar qualquer outra das decisões que
requerem o exercício de um intelecto experimentado, já está em declínio.
Devemos, pois, apressar-nos, não simplesmente porque a cada hora nos
aproximamos mais da morte, mas porque mesmo antes disso o nosso poder de
percepção e compreensão começa a deteriorar-se.
Outra coisa em que devemos reparar é no encanto e na fascinação que há
mesmo nas casualidades dos processos da Natureza. Quando um pão, por
exemplo, está no forno, começa a ficar com fendas aqui e ali; e estes defeitos,
não intencionais, na cozedura, têm um carácter próprio, e aguçam o apetite. Os
figos, também, quando maduros, abrem-se em fendas. Quando as azeitonas
estão para cair, a própria iminência do declínio acrescenta a sua beleza ao fruto.
Assim, também a cabeça caída de um pé de milho, a pele enrugada de um leão
assanhado, o pingo de espuma caindo das mandíbulas de um urso selvagem, e
muitas mais coisas deste tipo, não são nada belas se vistas em si próprias;
contudo, como consequências de um outro processo da Natureza, elas dão a
sua contribuição para o seu encanto e atracção.
2
.  Assim, a um homem de suficientemente profunda sensibilidade e capacidade
de penetração intelectual nas obras do universo, quase tudo, mesmo que mais
não seja do que um mero subproduto de qualquer outra coisa, parece
acrescentar o seu galardão de prazer adicional. Um homem assim olhará as
fauces escarninhas de um leão real com a mesma admiração com que olharia a
sua representação plástica feita por um artista ou por um escultor; e o olhar de
discernimento deixá-lo-á ver do mesmo modo o encanto maduro dos homens e
mulheres de idade e a frescura sedutora da juventude. Coisas deste tipo não
atraem toda a gente; só quem cultivou uma intimidade real com a Natureza e as
suas obras fica impressionado com elas.

3 Hipócrates curou os males de muita gente, mas ele próprio adoeceu e
morreu. Os Caldeus previram a morte de muita gente, mas o destino apanhou-os
também a eles. Alexandre, Pompeu e Júlio César devastaram e voltaram a

devastar cidades inteiras e abateram batalhões de cavalaria e infantaria em
combate, mas também a sua hora chegou. Heráclito especulava
interminavelmente sobre a destruição do mundo pelo fogo, mas no fim foi a água
que lhe saturou o corpo e morreu num emplastro de excrementos. Demócrito
foi destruído por insectos; Sócrates por insectos de outro tipo

. E a moral de
tudo isto? Esta. Embarca-se, faz-se a viagem, chega-se ao porto: desembarcase, então. Noutra vida? Há deuses por toda a parte, mesmo no além. Na
insensibilidade final? Então ficaremos fora do alcance da dor e do prazer, e já
não escravos desta embarcação terrena, tão incomensuravelmente mais
mesquinha do que o seu ministro assistente.

publicado por portucalia às 16:34

Maio 15 2012
 
 
 
 
 
LIVRO 2
1. Começa cada dia por dizer a ti próprio: Hoje vou deparar com a intromissão,
a ingratidão, a insolência, a deslealdade, a má-vontade e o egoísmo — todos
devidos à ignorância por parte do ofensor sobre o que é o bem e o mal. Mas,
pela minha parte, já há muito percebi a natureza do bem e a sua nobreza, a
natureza do mal e a sua mesquinhez, e também a natureza do próprio culpado,
que é meu irmão (não no sentido físico, mas como meu semelhante, igualmente
dotado de razão e de uma parcela do divino); portanto nenhuma destas coisas
me ofende, porque ninguém pode envolver-me naquilo que é degradante. Nem
eu posso ficar zangado com o meu irmão ou entrar em conflito com ele; porque
ele e eu nascemos para trabalhar juntos, como, de um homem, as duas mãos,
os dois pés, as duas pálpebras ou os dentes de cima e de baixo. Criar
dificuldades uns aos outros é contra as leis da Natureza — e o que é a irritação,
ou a aversão, senão uma forma de criar dificuldades aos outros?

2. Um pouco de matéria, um pouco de respiração e uma Razão para tudo dirigir
— isto sou eu. (Esquece os teus livros; deixa de suspirar por eles; não faziam
parte do teu equipamento.) Como alguém já à beira da morte, não penses na
primeira — no seu sangue viscoso, nos seus ossos, na sua teia de nervos e
veias e artérias. E a respiração, o que é? Uma lufada de ar; e nem sequer o
mesmo ar, mas, antes, sempre diferente a cada inspiração e expiração. Mas a
terceira, a Razão, a mestra — é nela que te deves concentrar. Agora que o teu
cabelo já está grisalho, não deixes mais que ela tenha um papel de escrava, que
se contorça, qual marioneta, a cada acesso de interesse pessoal; e deixa de te
exasperares com o destino, resmungando com o hoje e queixando-te do
amanhã.

3. Toda a organização divina está impregnada da Providência. Mesmo os
caprichos do acaso têm o seu lugar no esquema da Natureza, isto é, no intricado
tecido das disposições da Providência. A Providência é a fonte donde fluem
todas as coisas; e a ela aliada, está a Necessidade, e o bem-estar do universo.
Tu próprio és parte do universo; e para qualquer das partes da natureza, aquilo
que lhe é atribuído pelo Mundo-Natureza, ou a ajuda a existir, é bom. Além
disso, o que mantém todo o mundo em existência é a Mudança: não meramente
a mudança dos elementos básicos, mas também a mudança das formações
maiores que elas compõem. Contenta-te com estes pensamentos, e consideraos sempre como princípios. Esquece a tua sede de livros, para que, quando o
teu fim chegar não resmungues, mas o encares com boa vontade e verdadeira
gratidão aos deuses.

4. Pensa nos teus muitos anos de adiamento; como os deuses repetidamente te
proporcionaram mais períodos de graça que não aproveitaste. Está na altura de
te dares conta da natureza do universo a que pertences, e da daquele poder
controlador de que és filho; e de compreenderes que o teu tempo tem um limite.— 36 —
Usa-o, portanto, para avançares no teu esclarecimento, senão ele vai-se e
nunca mais voltará a estar de novo em teu poder.
publicado por portucalia às 17:09

Abril 28 2012
Apresentação :  Na edição do blog de  27, ontem, informei que editaria trechos de livros que marcaram e fizeram o pensamento e a vida de muitas pessoas nos últimos dois mil anos.  Edito a seguir do Livro I das Meditações os ítens de 1 a 15.  Vale a pena lê-los e refletir sobre e perguntando a si próprio  quais os que se aplicam à sua vida.  Boa leitura.  A.R. de Almeida 
LIVRO 1

1. A cortesia e a serenidade, aprendi-as eu, primeiro, com o meu avô.
2. A virilidade sem alardes, aprendi-a com aquilo que ouvi dizer e recordo do
meu pai .
3. A minha mãe deu-me um exemplo de piedade e generosidade, de como
evitar a crueldade — não só nos actos, mas também em pensamento — e de
uma simplicidade de vida completamente diferente daquilo que é habitual nos
ricos.
4. Ao meu bisavô fiquei a dever o conselho de que dispensasse a educação da
escola e, em vez disso, tivesse bons mestres em casa — e de que me
capacitasse de que não se devem regatear quaisquer despesas para este fim.
5. Foi o meu tutor que me dissuadiu de apoiar o Verde ou o Azul
1
, nas corridas,
ou o Leve ou o Pesado
2
, na arena; e me incentivou a não recear o trabalho, a
ser comedido nos meus desejos, a tratar das minhas próprias necessidades, a
meter-me na minha vida, e a nunca dar ouvidos à má-língua.
6. Graças a Diogneto
3
aprendi a não me deixar absorver por actividades triviais;
a ser céptico em relação a feiticeiros e milagreiros com as suas histórias de
encantamentos, exorcismos e quejandos; a evitar as lutas de galos e outras
distracções semelhantes; a não ficar ofendido com a franqueza; a familiarizar-me
com a filosofia, começando por Bacchio e passando depois para Tandasis e
Marciano; a redigir composições, logo em pequeno; a ser entusiasta do uso do
leito de tábuas e pele, bem como de outros rigores da disciplina grega.
7. De Rústico
4
obtive a noção de que o meu carácter precisava de treino e
cuidados, e que não me devia deixar perder no entusiasmo sofista de compor
tratados especulativos, homilias edificantes, ou representações imaginárias de O
Asceta ou de O Altruísta. Também me ensinou a evitar a retórica, a poesia, e as
presunções verbais, os amaneiramentos no vestuário em casa, e outros lapsos
de gosto deste género, e a imitar o estilo epistolar simples utilizado na sua
própria carta a minha mãe, escrita em Sinuessa. Se alguém, depois de se
zangar comigo num momento de mau humor, mostrasse sinais de querer fazer
as pazes, devia mostrar-me logo disposto a ir ao encontro dos seus desejos.
Também devia ser rigoroso nas minhas leituras, não me contentando com as
meras ideias gerais do seu significado; e não me deixar convencer facilmente
por pessoas de palavra fácil. Por ele, vim também a conhecer as Dissertações
de Epicteto, das quais ele me deu uma cópia da sua biblioteca.
8. Apolónio
5
convenceu-me da necessidade de tomar decisões por mim
mesmo, em vez de depender dos acasos da sorte, e nunca, nem por um— 30 —
momento, perder de vista a razão. Também me instruiu no sentido de encarar os
espasmos de uma dor aguda, a perda de um filho e o tédio de uma doença
crónica sempre com a mesma inalterável compostura. Ele próprio era um
exemplo vivo de que nem mesmo a energia mais impetuosa é incompatível com
a capacidade de descansar. As suas exposições eram sempre um modelo de
clareza; contudo, era claramente alguém para quem a experiência prática e
aptidão para ensinar filosofia eram os talentos menos importantes. Foi ele, além
disso, que me ensinou a aceitar os pretensos favores dos amigos sem me
rebaixar ou dar a impressão de insensível indiferença.
9. As minhas dívidas para com Sexto
6
incluem a bondade, a maneira como
dirigir o pessoal da casa com autoridade paternal, o verdadeiro significado da
Vida Natural, uma dignidade natural, uma intuitiva preocupação pelos interesses
dos amigos, e uma paciência bem disposta com os amadores e os visionários. A
disponibilidade da sua delicadeza para com toda a gente emprestava à sua
convivência um encanto superior a qualquer lisonja, e, contudo, ao mesmo
tempo, impunha o completo respeito de todos os presentes. Também a maneira
como ele precisava e sistematizava as regras essenciais da vida era tão ampla
quanto metódica. Nunca mostrando sinais de zanga ou qualquer emoção, ele
era, ao mesmo tempo, imperturbável e cheio de bondosa afeição. Quando
manifestava a sua concordância, fazia-o sempre calma e abertamente, e nunca
fazia alarde do seu saber enciclopédico.
10. Foi o crítico Alexandre
7
que me pôs em guarda contra a crítica supérflua.
Não devemos corrigir bruscamente as pessoas pelos seus erros gramaticais,
provincialismos, ou má pronúncia; é melhor sugerir a expressão correcta,
apresentando-a nós próprios delicadamente, por exemplo, numa nossa resposta
a uma pergunta, ou na concordância com as suas opiniões, ou numa conversa
amigável sobre o próprio tema (não sobre a dicção), ou por qualquer outro tipo
de advertência.
11. Ao meu conselheiro Fronto
8
devo a percepção de que a maldade, a astúcia
e a má-fé acompanham o poder absoluto; e que as nossas famílias patrícias
tendem, na sua maior parte, a carecer de sentimentos de humanidade.
12. O platonista Alexandre
9
acautelou-me contra o uso frequente das palavras
«Estou muito ocupado» na expressão oral ou na correspondência, excepto em
casos de absoluta necessidade; dizendo que ninguém deve furtar-se às
obrigações sociais devidas, com a desculpa de afazeres urgentes.
13. O estóico Catulo,
10
aconselhou-me a nunca menosprezar a censura de um
amigo, mesmo quando pouco razoável, mas em vez disso, fazer o possível por
voltar a agradar-lhe; a falar pronta e abertamente em louvor dos meus
instrutores, como se lê nas memórias de Domítio e Athenodoto; e a cultivar um
genuíno afecto pelos meus filhos.— 31 —
14. Com meu irmão Severo
11
aprendi a amar os meus familiares, a amar a
verdade e a justiça. Por ele tomei conhecimento de Thraseia, Catão, Helvidio,
Dião e Bruto, e familiarizei-me com a ideia de uma comunidade baseada na
igualdade e liberdade de expressão para todos, e de uma monarquia
preocupada sobretudo em garantir a liberdade dos seus súbditos. Ele reveloume a necessidade de uma avaliação desapaixonada da filosofia, do hábito das
boas acções, da generosidade, de um temperamento cordial, e da confiança no
afecto dos meus amigos. Recordo, também, a sua franqueza para com aqueles
que mereciam a sua repreensão, e a maneira como ele não deixava dúvidas aos
amigos sobre aquilo de que gostava ou que detestava, dizendo-lho claramente.
15. Máximo
12
foi o meu modelo de autocontrole, firmeza de intenções e de boa
disposição em situações de falta de saúde e de outros infortúnios. O seu
carácter era uma mistura admirável de dignidade e encanto, e todos os deveres
inerentes à sua condição eram cumpridos sem alardes. Deixava em toda a gente
a convicção de que acreditava no que dizia e agia da maneira que lhe parecia a
correcta. Não conhecia o espanto ou a timidez; nunca mostrava pressa, nunca
adiava; nunca se sentia perdido. Não se entregava ao desânimo nem a uma
alegria forçada, nem sentia raiva ou inveja de qualquer poder acima dele. A
bondade, a simpatia e a sinceridade, todas contribuíam para deixar a impressão
de uma rectidão que lhe era mais inata do que cultivada. Nunca se superiorizava
a ninguém, e contudo ninguém se atrevia a desafiar a sua superioridade. Era,
além disso, possuidor de um agradável sentido de humor.

 

publicado por portucalia às 22:26

PORTUCÁLIA é um blog que demonstra para os nossos irmãos portugueses como o governo brasileiro é corrupto. Não se iludam com o sr. Lula.Textos literários e até poesia serão buscados em vários autores.
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