Antonio Ribeiro de Almeida (*)
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Se eu fosse um xamã poderia, certamente, explicar o inusitado presente de aniversário que minha esposa recebeu há oito anos. Era de tarde, terminara de aguar o jardim e preparava-me para entrar em casa quando olhei para o portão da garagem. Surpreso, divisei uma arara que acabava de atravessar a grade e caminhava em direção à porta da sala. Vinha tranquilamente, com aquele passo meio engraçado, levantando o pescoço e examinando-me de cima abaixo. Achei que logo ela levantaria vôo e iria embora. Isto, contudo, não aconteceu. Entrou pela sala de visitas, e apoiada no seu bico recurvado e nas garras dos pés, foi subindo por uma cortina e dali deu um curto vôo até uma cadeira.
Minha esposa achava aquilo tudo muito engraçado, e a gente se perguntava: o que esta arará está querendo ? Trouxemos uma caneca com água e ela, depois de examiná-la, primeiro com um olho e depois com o outro, foi bebendo aos goles. Quando tentei me aproximar deu-me uma taramelada e me afastei instintivamente. Quando minha esposa aproximou-se a reação dela foi diferente. Ficou toda eriçada, abaixou a cabeça para permitir não só o “cata-piolho”, mas que os dedos da minha mulher acarinhasse todo o seu corpo.
Achamos que a arara pertencia a alguém da vizinhança. Antes que alguns amigos chegassem para comemorar o aniversário da minha cara metade, corri todo o quarteirão, casa por casa, perguntando se alguém tinha uma arara. Ninguém tinha arara.
Subindo num cabo de vassoura ela foi levada para um quartinho e ali passou a noite. No dia seguinte abrimos a porta do quartinho, levamo-la até o jardim com a esperança que ela resolvesse voar. Teimosamente ela ia para o chão e retornava para a casa. Mostrou que queria ficar conosco. Compramos uma gaiola apropriada e ela está lá desde então. Mostra, e eu não sei por que, uma aversão pelos homens. Embora eu cuide da “Elvira “ – foi o nome mais feio que imaginei para batizá-la – ela não reconhece isto. Se coloco a mão na gaiola vem logo aquela série de bicadas. Com o meu neto é a mesma coisa. “Elvira” aceita, contudo, o carinho da esposa e da neta. Elas não aceitaram o nome que dei e a chamam de “Lalinha”. Parece que ela reconhece os dois nomes. O máximo de aproximação que consegui foi assobiar e ela responder. Mas não passa disto. Ouve, com atenção, quando canto “Elvira escuta os meus gemidos”. Quando a levo até meu escritório fica, pelo que diz minha esposa, resmungando, “Elvira, elvira, elvira ...” Meio surdo, eu não distingo nada.
Minha casa sempre foi receptiva aos cães e aos pássaros. De manhã, num pequeno pinheiro que temos no terreiro, muitos passarinhos pousam e fazem um madrigal. Até hoje não sei por que a “Elvira” escolheu nossa casa para morar. Já perguntei a muita gente que diz entender de pássaros e ninguém me explicou a razão desta escolha. “Elvira” foi um presente de aniversário que se deu e estamos agradecidos.
(*) É autor de Contos do Entardecer