Nicolas Cage renasce em Veneza
VENEZA O ator Nicolas Cage (“O Resgate”) reviveu seus dias de glória cinematográfica no Festival de Venzena, como protagonista do drama “Joe”, de David Gordon Green (“Segurando as Pontas”). Concorrente ao Leão de Ouro, o filme sobre um ex-presidiário foi bastante aplaudido durante sua première mundial.
Com o papel, Cage se redime da coleção de filmes de ação descartáveis que vinha empilhando nas videolocadoras e volta a lembrar o ator que ganhou o Oscar por sua interpretação de alcoólatra suicida em “Despedida em Las Vegas” (1995). E ele demonstra ter esta consciência ao definir “Joe”, durante a entrevista italiana, como “um dos filmes mais memoráveis” de sua carreira de 35 anos.
O astro gostou de se sentir novamente apreciado, algo que não sentia há tempos em sua carreira, e resolveu filosofar sobre sua arte. Disse procurar fazer algo mais que “atuar”, já que a palavra às vezes parece dizer “mentir”. “Prefiro a palavra ‘ser’. Na verdade, o que procuro cada vez mais é encontrar a verdade do personagem, com a máxima pureza”, apontou.
Encontrar a “verdade” de Joe Ramson, porém, foi uma tarefa bastante complexa. O personagem-título é um ex-presidiário que ganha a vida agenciando trabalhadores ilegais para aplicar produtos tóxicos que aceleram o desmatamento de áreas florestais. Ao mesmo tempo, ele acolhe o garoto Gary (Tye Sheridan, de “Árvore da Vida”), que se torna seu protegido e com quem desenvolve uma relação paternal, já que seu pai biológico (o estreante Gary Poulter) é um alcoólatra violento.
“Joe é um homem admirável e com falhas muito fatais”, define o diretor David Gordon Green, que aproveitou para elogiar seu astro. “Quando Nic aceitou interpretá-lo, dei cambalhotas, pois sei que ele se dispõe a desnudar a alma por seus papéis”.
Baseado no romance homônimo de Larry Brown, “Joe” também é “um verdadeiro western”, na concepção de Green. “Em muitos dos meus filmes, eu discorro sobre a importância da masculinidade na vida de um homem”, disse Green. “Mas não há nenhum projeto que eu tenha feito em que isso seja mais do evidente do que em ‘Joe’. O filme é sobre redenção, vinculada à busca de Joe para aliviar sua dor interior e a dor que ele causou nos outros, e isso se dá por tentar salvar o jovem Gary, o personagem de Tye Sheridan”, acrescentou.
Como um pistoleiro do Velho Oeste, o personagem de Cage acredita que as soluções para seus problemas pode ser encontrada sempre com uma arma na mão ou uma dose de whisky. Até começar a se sentir responsável pelo jovem garoto que parece destinado a seguir seus passos. “Ele é um homem que simplesmente quer voltar à vida”, diz Cage.
Depois de conviver com Brad Pitt em “A Árvore da Vida” e Matthew McConaughey em “Amor Bandido”, o adolescente de 16 anos Tye Sheridan diz que atuar com Cage “foi fácil”. Seu maior desafio, ele conta, foi fumar o primeiro cigarro de sua vida em uma cena. “Mas Nic e David me ajudaram. David se preocupou com minha saúde e me deu um cigarro fraco”, revelou.
Adolescentes fumantes é o menor dos problemas sociais do filme, que o diretor admite servir de metáfora para a situação de calamidade social que atinge os EUA. Boa parte da trama se passa entre casas de madeira, trilhos abandonados e evoca a precariedade da vida em situações de miséria.
“Eu queria deixar o filme autêntico. Sim, as pessoas realmente vivem naquelas condições”, disse Gordon Green sobre o casebre onde mora a família de Gary, que não seria cenográfico e sim uma habitação real. “O filme também pode servir para falar sobre a crise social, o que é válido”, concorda Cage.
Para completar a atmosfera realista, Green quis incluir no elenco um morador de rua. E foi um de seus maiores acertos na produção. “Estávamos procurando por verdadeiros vagabundos e encontramos alguém com uma aparência magnífica de alma perdida”, descreveu o diretor. “Sabia que estava tomando um grande risco ao contratar um homem sem endereço ou documentos, mas claramente ele tinha uma história”, descreveu.
Gary Poulter nunca foi ator. Teria sido engenheiro, mas algumas decisões de vida o levaram a viver nas ruas, como um sem-teto. “Ele estava vivendo e fazendo performance nas ruas de Austin, no Texas, quando nossa equipe de elenco o encontrou. Ele contava histórias sombrias sobre suas péssimas escolhas de vida que o levaram àquela situação”, revelou o cineasta. “Nunca havia atuado, mas o chamamos para participar do filme porque havia algo nele que precisava ser expressado.”
A interpretação de Poulter espelha uma crueldade que ofusca até mesmo a atuação dos colegas mais famosos, inclusive Cage. Seu papel é de um bêbado que cata lixo nas ruas e só volta para casa quando precisa de dinheiro, espancando o filho (Sheridan), que começa a trabalhar com Joe (Cage).
“Gary tinha senso de humor e carisma. Seus testes para os papéis menores foram lindos, então o chamei para ser um dos protagonistas e ele simplesmente me deixou de queixo caído pela naturalidade com que interpretou”, disse Gordon Green. “Ele achou um fiapo de humanidade em um personagem brutal e este foi seu legado. Infelizmente, morreu depois de a produção ter terminado”, contou. “É uma grande perda, aposto que teria uma carreira brilhante e consigo vê-lo fazendo um general em um grande épico histórico”, lamentou o diretor.
Nicolas Cage, por outro lado, demonstra que voltou à vida. Questionado se pensa em aposentadoria, como Johnny Depp (“O Cavaleiro Solitário”) e Brad Pitt (“Guerra Mundial Z”), que assim tem declarado em recentes entrevistas, ele diz ter ainda muitos filmes para estrelar. “Não sei o que vai pela cabeça desses dois, mas eu não me vejo me aposentando. Quero explorar esta minha profissão o resto da minha vida. O que não quer dizer que eu não tenha aquelas fantasias, de vez em quando, de ficar à beira de uma piscina, ou numa praia sem fazer nada, bebericando um drinque”, disse, aos risos.
A má notícia é que, apesar da recaída, seus próximos trabalhos vão continuar do trágico ao terrível, passando pelo thriller B “Tokarev”, o remake do terror cristão “Deixados para Trás” e o épico medieval “Outcast”, sobre cruzados que vão parar na China. Dois deles são dirigidos por ex-dublês. Nenhum deles terá premiére em festival. E pelo menos um é cotado para sair direto em DVD.