13 JUNHO 2013
ARTIGOS - CULTURA
Nada que se diga sobre as relações entre política, ciência, moral e religião tem aquele mínimo indispensável de dignidade intelectual requerido para merecer alguma atenção, se não leva em conta o fato mais visível da História terrestre: todas as guerras de religião desde o início dos tempos, somadas, mataram muito menos gente do que as ideologias científicas modernas, socialismo e nazismo, mataram em umas poucas décadas. Aquele que, posando de defensor da espécie humana, toma a palavra em nome da “ciência”, das luzes e da modernidade, já sobe ao palanque trazendo na testa o emblema sinistro da mentira totalitária. E é com perfeita hipocrisia, se não com inépcia autêntica, que semelhante paspalho alega entre seus títulos de legitimidade a diferença entre a “pseudociência” dos outros e a “sua” ciência supostamente genuína e respeitável. Pois essa diferença, desde logo, só existe e só aparece no interior da prática científica mesma: os pseudocientistas só o são, no julgamento alheio, porque antes disso são cientistas de profissão e não outra coisa. Quem produz pseudociência é a classe científica e ninguém mais, exatamente como os erros judiciários nascem das cabeças de juízes e as heresias dos cérebros de religiosos, não de ateus ou de indiferentes. A pureza da ciência, como a da justiça e a da religião, é um ideal normativo e não um mérito real inerente a qualquer das três. O cientista que chama alguém de pseudocientista acusa um colega de profissão, e deve fazê-lo com a humildade de quem confessa os pecados da sua própria classe, não com os ares beatíficos de quem, vindo de fora, fala com a autoridade da completa inocência. Em segundo lugar, aquela distinção não é um dado a priori e incontrovertido, não é uma premissa autoprobante, mas o resultado de discussões que podem prosseguir indefinidamente: as teorias racistas do nazismo tiveram defensores entre os mais prestigiosos cientistas da época, e o marxismo ainda os tem às pencas. E ambos esses grupos nunca cessaram de acusar um ao outro de pseudociência.