Correspondência amorosa entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz em livro
O poeta tratava a amada por “bebé” e “Nininha pequena”
O livro com a “correspondência amorosa completa” entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, mantida de 1919 até à morte do poeta, em 1935, é hoje apresentado na Casa Fernando Pessoa (CFP), em Lisboa.
O organizador do volume, Richard Zenith, assinalou à Lusa que “mais de metade das cartas de Ofélia Queiroz eram inéditas, até à presente publicação”. No total, são publicados 348 documentos, transcritos integralmente, dos quais 156 são inéditos.
Entre os inéditos de "Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz - Correspondência amorosoa completa", estão os últimos bilhetes trocados, como o derradeiro, enviado pelo poeta a Ofélia, datado de 14 de junho de 1935, em que agradece os parabéns enviados na véspera, de forma cordial: "Muito obrigado e identicamente com saudades".
A obra reproduz cada um dos documentos, permitindo ao leitor apreciar a caligrafia do poeta. Parte deste manancial epistolar foi adquirido pelo casal brasileiro Bia e Pedro Corrêa do Lago, num leilão em Londres, “sem disputa, na época, com qualquer instituição ou colecionador privado”, como afirmam os próprios, no texto de introdução que assinam. A outra parte foi também comprada, tempos mais tarde, por este casal de colecionadores e divulgadores culturais.
No texto de apresentação da obra, Zenith afirma que esta publicação “revela factos inéditos” e “permite-nos traçar uma cronologia precisa” deste relacionamento, que qualifica como “linhas cruzadas, sem estratégia”.
Ofélia, escreve Zenith, era “alegre, transparente, direta, crente (…) quase o oposto” de Fernando Pessoa, todavia, quando se encontram, “atraem-se logo”. Conheceram-se em outubro de 1919, estava Pessoa de luto carregado pela morte do padrasto e, em novembro, já “trocam bilhetes e ele trata-a por ‘bebé’".
"Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz", publicado pela editora brasileira Capivara, inclui um texto de Eduardo Lourenço, “Amor e Literatura”, um relato de Ofélia Queiroz, registado em 1978 pela sua sobrinha, Maria da Graça Queiroz, acerca da relação com o poeta, no qual recorda a promessa de Pessoa em lhe ensinar melhor o inglês, “depois de casados”, um testemunho da sobrinha, que atesta que, “na morte do Fernando, a Ofélia apagou-se ao mundo”, e recusou sempre dar qualquer entrevista.
Num dos documentos até agora inéditos, Fernando Pessoa trata Ofélia por “Querida Nininha pequena” e dá-lhe conta de que estará no Largo do Conde Barão [em Lisboa], à espera dela, “no recanto da padaria Inglesa”.
O tratamento entre os dois é mimado e ternurento. Fernando Pessoa envolve até, na relação, um dos seus heterónimos, o engenheiro Álvaro de Campos, que se dirige a Ofélia de forma cerimoniosa e refere-se a Fernando Pessoa como “abjeto e miserável indivíduo”.
Ofélia e Álvaro de Campos telefonaram-se, assim como Fernando e Ofélia, até que, em fevereiro de 1931, “'um cavalheiro anunciando-se Ricardo Reis’ lhe telefona [a Ofélia] a participar que Fernando Pessoa estava incomunicável e não aparecia antes de março”, escreve Zenith que questiona se seria esta uma “forma suave e desculpabilizadora” de Pessoa pôr um ponto final na relação amorosa. Ofélia insistirá em escrever para o seu “Nandinho” ou “Fernandinho”, como se dirigia ao poeta, mas em resultado de reatamento.