Alexandre Lyrio
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O lavador de carros Gilberto Araújo Santos, 41 anos, morreu no último sábado. Morreu e, dois dias depois, se tornou o homem mais feliz do mundo. Na segunda-feira, Gilberto ganhou a oportunidade que, até onde se tem notícia, nenhum ser humano teve até hoje. Assistiu à cena do seu próprio velório.
Dado como morto, o lavador voltou para mostrar que há vida após a morte. Apareceu de repente no local em que sua família lhe dava o último adeus. Enchiam a sala da casa de sua mãe, na zona rural de Alagoinhas, a 107 quilômetros de Salvador. Estavam velando a pessoa errada.
Gilberto se diverte e posa no jazigo do pai, onde ele seria enterrado
Quando Gilberto chegou, minutos antes de o corpo ser levado ao cemitério, uns desmaiaram, outros correram com medo, mas a maioria fez festa. “Aquele povo todo me abraçando, me beijando. Pude perceber que as pessoas me amam. Foi o dia mais feliz da minha vida”, comemorou. Se bem que, por alguns instantes, o próprio Gilberto teve dúvidas de que estivesse mesmo vivo. “Quando me aproximei do caixão, pensei: ‘Meu Deus, será que sou eu aí? Será que estou vivo e morto ao mesmo tempo’?”.
Identificação
Toda a confusão começou com um erro na identificação do corpo de outro rapaz, também lavador de carros, morto a tiros no sábado. E o mais impressionante. O crime aconteceu a uns 300 metros de onde Gilberto estava. “Fiquei sabendo dos tiros e fui ver. Vi ele no chão ainda vivo e fui embora”.
Um funcionário do hospital para onde a vítima foi socorrida avisou a um primo que um homem muito parecido com Gilberto tinha ido a óbito. O irmão do lavador foi chamado e não teve dúvida: “É ele”. Fazia semanas que Gilberto não ia na casa da mãe. Dividia apartamento com um colega. Para completar, o real morto era muito parecido com ele.
Com o corpo devidamente reconhecido, a família pagou R$ 800 pelo caixão e serviços funerários. O velório atravessou a madrugada. Não faltou comida e bebida. “Foi suco, café, pão, bolacha e muito choro”, conta a mãe de criação de Gilberto, Marina Souza Santana. “A gente beijou a testa dele a noite toda”.
Amanheceu e a família foi resolver a papelada. Foi quando um colega do irmão avistou Gilberto na rua. “Rapaz, enquanto você tá aqui vivo, sua família ficou de sentinela a noite toda velando seu corpo”. Gilberto chegou a ligar para casa, mas acharam que era trote. Teve que aparecer de supetão. “Saímos da tristeza para o susto. E do susto para a alegria”, conta dona Marina.
Junto das cinzas da fogueira montada para enfrentar a noite, o irmão que fez o reconhecimento do corpo parecia ainda confuso ontem. “Normalmente, a ficha demora a cair quando alguém morre. Agora não consigo acreditar 100% que ele está vivo”, disse o açougueiro José Marcos dos Santos, 35. “Se tivesse dinheiro, fazia um teste de DNA. Meu pai andou aprontando por aí”.