PORTUCÁLIA

Setembro 11 2012

A  ÚLTIMA MISSA DO GALO

 

                                                                                              AntonioRibeiro de Almeida

 

                                                           A  Helena Córdova Cunha, tia e madrinha, que viveu

                                                           aqueles tempos.

 

Era1940, 24 de dezembro, vésperade Natal, uma terça-feira.  Chovia queDeusmandava!  Nunca, umdezembroforatãochuvoso.  As estradasparaas fazendassóeram vencidas peloscarrosde boisoua cavalo.  Isto, contudo, nãoimpedia queos agregadosda fazendada Sá Helenaviessem paraa Missado Galo.  Elesenfrentavam o barroda estrada, com as botinas penduradas nos ombros, caminhando asquatroléguaspara chegarem aRioBranco.  Vinham emturmas.  Tagarelando, tocandosanfona deoitobaixos ecavaquinho.  Osmaisafoitos dançavamemplenaestrada,mesmodebaixo de uma chuvinhamiúda, fazendopassar umagarrafa depinga demãoemmão. Haviamsaído daFazendaSãoFrancisco aoamanhecer..  Chegariam a tempopara oalmoço nacasa dafazendeira.

 

Nacozinhade SáHelena, omovimentoeragrande. AlémdacozinheiraMaria,trêsajudanteshaviam sido convocadasparaprepararacomidaparamaisde vintehomens. Nadamenosdedezgalinhasjáhaviam sido degoladasparamatarafomedaturma.ComaturmavinhatambémSáAnja. Elavivia nafazendadesdeostemposdaescravidão. Nãose sabia, aocerto,suaidade.  Oscabeloserambrancoscomo  oalgodão.  Depanoamarrado nacabeça,umterçoemvoltadopescoçoquecaíasobresuablusadechitão,comsaiarodada,elacompunha umafigurarespeitávelpitandoseucachimbodebarro. Seuspésrevelavam umapelemaisgrossaqueocouro. Nãohaviaespinhooucacodevidroquealipenetrasse.  Foram vãs todas astentativasparaquecalçassesapatos.  Gostava deandardescalça,sentirsobosseuspésaterra. Católica,nãoaceitava ocultodaumbanda. Paraelaeramcoisasdotinhoso, do mofento, dobodepreto. Nãoperdiamissa,mesmoforadasfestas, emissacomacomunhãodoSantíssimo. Poristo,tododomingo, fizessechuvaousol,elavinhaparaamissadasdezhorasnaMatriz. 

 

Erameio-diaquandoaturmachegou nacasade SáHelena.  Osrapazesforam seajeitarnumbarracodoterreiro,enquantoSáAnja,comomaischegadaàfazendeira, entroucozinhaadentro, elogose assentou, decócoras, numcanto.

 

Achuva,queatéentãocaíra fininha, parou derepente.  Océuse abriu eumsolforteeluminosoafastou asnuvens.  Devagarinho,elefoi secando ostelhados, asárvores, asruase osterreiros. Passarinhos,queestavam recolhidosnosninhos, voaramparatodososlados e começaram aensaiarosseuscantos.  AnoitedeNatalprometiaserdecéulimpo,commuitasestrelaseluanova.

 

Chegou a horada comilança. . Maria, a cozinheira, foi distribuindo os pratospelarapaziada.  Satisfeitos, comos estômagoscheios, elesimprovisaram uma dançaquesóelesentendiam.   Davam pinotes, passavam uma das mãosno chão, e, emseguida, gritavam emcoro: “Vem que te furo.

 

SáAnja,depoisdoseualmoço, continuou acocorada noseucanto,  fumando oseucachimbodebarro, observando omovimento.  Daí apouco,  chegou afazendeira.

-        Então, Sá Anja, como vai você ?

-        Graças ao bom Deus vou bem, Sá Helena.

-        Como vai a nossa plantação de arroz ?

-        Ah, sinhá, não tem mais bonito não por aquelas bandas. As espigas estão carregadas. Vancê vai ver quando for por lá.

-        Muito bem, Sá Anja. Eu sei que posso contar com você e seus filhos.  Vocês pegam  mesmo no trabalho do amanhecer até ao anoitecer.  Por isto é que vamos repartir a colheita à meia.

 

-        SáHelenaeraumafazendeirajustaeseusagregadostinhamtodaassistênciamédicaefarmacêuticaqueelapodiadar. Poristonãoerabemolhadapelamaioriadosfazendeirosdaregiãoqueaindatratavamseusagregadoscomoescravos.

 

Atardepassoudepressa.  Amoçadadormia asonosoltodebaixodobarraco. SáHelenae SáAnjaforamveropresépioda Dodoca. Eraomaislindodacidade. Abeatacolocavatodasuaimaginaçãoehabilidadenamontagemdopresépio. Patinhosdeplásticonadavamemlagosdeespelhos, boizinhos eburrospastavam numagramaverdedepapel, eatéummonjolo,comáguaetudo, subia e descia, fazendo “toc-toc’-toc”.  Nofundo, iluminadoporumagrandeestrela, omeninoJesus dormiasobosolhosvigilantesde Maria e José.  Dodocanãodeixava os visitantessemumaxícaradecaféesemoseufamosobolodearroz.  Afazendeira,antesdesair, colocou umamoedanasmãosdaimagemdeumanjoqueagradeceu movendo, mecanicamente, acabeça. As duasmulheressaíram satisfeitas e encantadascomopresépio.Agora,eraesperarachegadadanoite. Antesdisto arapaziadafoitodafaceiraparaoJardim.  Esperavamencontraralgumascabrochasládosladosdafazenda,ou,quemsabe,começarumnamorocomumamoçadacidade.

 

-        Às dezhorasda noite,  Sá Anjasubiu a Ruado Divinoemdireçãoà Matriz. Ia bemcedoparapegarlugarno bancoda frente, pertodo altar, e fazersuasorações.  Todade branco, como véupretonuma mãoe o terço, comosempre, penduradono pescoço.    A matrizde S. João Batistaerauma festade luzesquesubiam pelatorree iluminavam uma grandecruzquepodia servistaà distância.  Ao entrarno templo, Sá Anjaajoelhou, comode costume, e fez o sinalda cruz. Poralgunsmomentos, elacontemplou, no altarcentral, a imagemimponentede S. João Batistaapontando parao altoe tendo aos pésumcordeiro.  Elanuncacompreendeu porquea imagemdo santoeramaiordo quea do seuJesus.  Foi logoparao seubanco.  Poucoa pouco, a igrejaficou repletade fiéis.  Como terçona mão, elaia rezando os mistériosdo nascimento do meninoJesus.  Mulheresde fitano peitoapreciavam, à distancia, aquela pretavelha.  Vendo-a tãomergulhada na oração, nãopuxavam umpéde conversacomofaziam entresi.  À meia-noiteemponto, o padrecomeçou a missado Galo. Sá Anjaouvia comatenção“Dominus Vobiscum”, mas não compreendia aquele latinório. Olhava, fixamente, para o sacrário, e, no seu coração, pedia : “Menino Jesus, tem pena desta sua preta velha. “.  Contrita, recebeu a eucaristia.  Voltando para o seu banco, sentiu um sono profundo e uma irresistível vontade de dormir.  Fechou os olhos e adormeceu.  Sua vizinha de banco pensou que ela estava cansada e não a incomodou.  Logo, o padre terminou a missa.  Pouco a pouco a igreja foi ficando vazia.  O sacristão, com a eficiência costumeira, foi apagando as velas do altar e ia começar a fechar as portas laterais quando avistou, adormecida, aquela preta velha.  Tentou acorda-la.  Em vão.  Resolveu dar-lhe um leve toque nos ombros.  Ao fazê-lo, o seu corpo tombou suavemente para o lado.  Perplexo, saiu às pressas da igreja para chamar o vigário na Casa Paroquial.  A igreja, mergulhada no silêncio e apenas iluminada pela luz mortiça da lamparina do Santíssimo, acolhia, naquele banco, o corpo de Sá Anja.  Para ela, tinha, agora, pleno sentido, o latim que nunca entendera : “Ite, Missa est. “Ela haviapartido. Nãomaispara oseurancho desapé,maspara aCasa doPai, aoencontro doCristoquetanta amara.

            

publicado por portucalia às 16:37

Setembro 11 2012

Terça-feira, dia 11 de Setembro de 2012

Terça-feira da 23ª semana do Tempo Comum


Santo do dia : São João Gabriel Perboyre, presbítero, mártir, +1840 

Ver comentário em baixo, ou carregando aqui 
Beato João Paulo II : «Passou a noite a orar a Deus» 

1ª Carta aos Coríntios 6,1-11.

Irmãos: Quando algum de vós entra em litígio com outro, como é que se atreve a submetê-lo ao juízo dos injustos e não ao dos santos? 
Ou não sabeis que os santos é que hão-de julgar o mundo? E, se é por vós que o mundo há-de ser julgado, sereis indignos de julgar questões menores? 
Não sabeis que havemos de julgar os anjos? Quanto mais, as pequenas coisas da vida! 
Quando, pois, tendes questões menores, porque escolheis como juízes aqueles que a Igreja menospreza? 
Digo isto para vossa vergonha. Não haverá, entre vós, ninguém suficientemente sábio para poder julgar entre irmãos? 
No entanto, um irmão processa o seu irmão, e isto diante dos não crentes! 
Ora, a existência de questões entre vós é já um sinal de inferioridade. Porque não preferis, antes, sofrer uma injustiça? Porque não preferis ser prejudicados? 
Mas, pelo contrário, sois vós que cometeis injustiças e causais danos, e isto contra os próprios irmãos! 
Ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos iludais: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pedófilos, 
nem os ladrões, nem os avarentos, nem os beberrões, nem os caluniadores, nem os salteadores herdarão o Reino de Deus. 
E alguns de vós eram assim. Mas vós cuidastes de vos purificar; fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus. 


Evangelho segundo S. Lucas 6,12-19.

Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a Deus. 
Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos: 
Simão, a quem chamou Pedro, e André, seu irmão; Tiago, João, Filipe e Bartolomeu; 
Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado o Zelote; 
Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que veio a ser o traidor. 
Descendo com eles, deteve-se num sítio plano, juntamente com numerosos discípulos e uma grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, 
que acorrera para o ouvir e ser curada dos seus males. Os que eram atormentados por espíritos malignos ficavam curados; 
e toda a multidão procurava tocar-lhe, pois emanava dele uma força que a todos curava.



Da Bíblia Sagrada - Edição dos Franciscanos Capuchinhos - www.capuchinhos.org 



Comentário ao Evangelho do dia feito por : 

Beato João Paulo II (1920-2005), papa 
Retiro pregado no Vaticano, Quaresma de 1976, n°17 

«Passou a noite a orar a Deus»

A oração de Cristo em Getsemani é o encontro da vida humana de Jesus Cristo com a vontade eterna de Deus. [...] O Filho fez-Se homem para que tivesse lugar esse encontro da Sua vontade humana com a do Pai. Fez-Se homem para que esse encontro fosse repleto da verdade sobre a vontade humana e sobre o coração humano, esse coração que quer fazer desaparecer o mal, o sofrimento, o julgamento, a flagelação, a coroa de espinhos, a cruz e a morte. Fez-Se homem para que, neste contexto da verdade sobre a vontade humana e sobre um coração humano, surgisse toda a grandeza do amor que se exprime na dádiva de si e no sacrifício: «Porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único» (Jo 3,16). Quando Cristo ora, o amor eterno deve confirmar-se através da oferenda do coração humano. E confirma-se de facto: o Filho não recusa ao Seu coração tornar-se o altar, o local da elevação, antes de se tornar o local da cruz. [...]


A oração é, por conseguinte, o encontro entre a vontade humana e a vontade de Deus. O seu fruto privilegiado é a obediência do Filho ao Pai: «Seja feita a Tua vontade». Porém, a obediência não significa renúncia à nossa vontade, mas antes uma verdadeira abertura do olhar espiritual e do ouvido espiritual a este Amor que é o próprio Deus. E Deus é este Amor (1Jo 4,16), Ele que amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único. Eis então o homem, eis Jesus Cristo, o Filho de Deus; após a Sua oração em Getsemani, torna a erguer-Se, fortalecido por essa obediência através da qual Se reuniu a este amor, a esta dádiva do Pai ao mundo e a todos os homens.

publicado por portucalia às 16:31

PORTUCÁLIA é um blog que demonstra para os nossos irmãos portugueses como o governo brasileiro é corrupto. Não se iludam com o sr. Lula.Textos literários e até poesia serão buscados em vários autores.
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