1. Inácio mestre da adaptação
Ele sente não lhes poder propor o mês de Exercícios em retiro e, com sua capacidade de adaptação e criatividade, lhes oferece Exercícios na Vida Cotidiana (EVC), tal como explica na anotação 19, de maneira que possam viver parte ou a totalidade do que se oferece para os 30 dias em retiro. Em sua proposta entende que o exercitante se encontrará cada dia com seu acompanhante no lugar combinado, e este o irá introduzindo nos primeiros temas dos Exercícios, até completar, se for oportuno, todo o itinerário do mês, ao longo de um período de tempo muito mais longo.
Inácio é um mestre da adaptação, da inculturação, com o imenso interesse de “ajudar” no que for possível. Sua pedagogia o situa no nível das capacidades e das oportunidades de cada pessoa, de maneira que esta “possa levar sem fadiga” a experiência [EE 18,2]. Atua desde a filosofia da contemplação da Encarnação, onde, com a Trindade, olha para o mundo, tão diversificado, tão desordenado, e com uma grande sede de redenção [EE 101-109]. Nesta visão, a Trindade, e com ela Inácio, adquire “a obediência à realidade”, adaptando-se de maneiras revolucionárias, até “fazer-se um de nós… assumindo a condição de escravo” (Fl 2,7). Também Inácio é revolucionário ao adaptar a profunda experiência eremítica de sua proposta originária, a uma realidade de Exercícios no meio do rebuliço do dia a dia. Uma das características da mística inaciana é a adaptação que busca e acha a Deus em todas as oportunidades, coisas e pessoas.
1.2. Um “mal menor”
Os Diretórios comprovam repetidamente esta maneira de dar os Exercícios na primitiva Companhia. Chamam-nos “Exercícios abertos” (Diretórios 5 e 6). Nove deles os consideram especialmente aptos para pessoas ocupadas em muitas atividades (D. 17, 18, 20, 28, 33, 34, 43, 46, 47), mesmo que sejam atividades espirituais (D. 46, 47); ou para pessoas para quem a falta de saúde não permite um esforço maior (D. 32, 46, 47).
Consideram que esta fórmula serve tanto para propor a matéria de todo o livro dos Exercícios (D. 18, 20, 32, 33, 34, 43), como a que corresponde às outras formas de Exercícios: de oito dias, de iniciação segundo a anotação 18, etc, (D. 5, 6, 20). Também se preocupam com o momento do dia mais propício para dedicar-se ao exercício (D. 12, 17, 18) ou definir a quantidade de tempo a dedicar-lhe (D. 20, 32, 33, 34, 43, 46).
Luís Gonçalves da Câmara, em seu Memorial, recolhe que Inácio os deu em Paris com este formato a Simón Rodríguez, porque não podia retirar-se devido aos estudos e à sua saúde.
Provavelmente a frase da Autobiografia (98,13) “percorria a cidade para visitar seus exercitantes indo, no mesmo dia, desde Santa Maria a Maior à Ponte Sixto” se refira também a exercitantes segundo a anotação 19.
Mas tanto para Inácio, como para a experiência que compilam os Diretórios, sempre se trata de um “mal menor”, já que se supõe que o exercitante “tanto mais aproveitará, quanto mais se apartar de todos os amigos e conhecidos e de toda solicitação terrena; assim como mudando-se da casa onde morava, e tomando outra casa ou habitação, para habitar nela quanto mais secretamente puder” [EE 20,2-3].
1.3. No século XX, a dificuldade se transforma em oportunidade
Na última terça parte do século XX, graças ao magistério, entre outros de G. Cusson, no Canadá, e de M. Giuliani, na França, aprofunda-se a anotação 19. A dificuldade se transforma em oportunidade. Muito mais que no século XVI abundam os candidatos para os quais é impossível dispor de 30 dias corridos para fazer os EE (motivos familiares, profissionais, etc). A originalidade destes mestres espirituais está em sua capacidade de unir a adaptação que fez Inácio no século XVI, por causa do fator tempo, com a descoberta de que o húmus adequado para uns Exercícios não é só o “afastar-se de amigos e conhecidos”, mas também os problemas, as dificuldades e contradições da complexa vida cotidiana. O formato EVC integra o banho de realismo que facilita um discernimento e uma eleição realistas, gerados na prosa do dia a dia; e resulta uma excelente pedagogia para exercitar-se na mística do “encontrar a Deus em todas as coisas”.
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27/09/2011 - 16:47