Em abril de 2008, o jornal O Globo, do Rio, ajudou a entender Lula um pouco melhor. Publicou o artigo “Lula, o pelego”, do professor Francisco Weffort, fundador do PT e secretário-geral do partido de 1984 a 1988. Ele relatou uma viagem internacional na qual acompanhou Lula na década de 80. Um dirigente sindical metalúrgico foi agressivo com Lula na Alemanha. Estava furioso porque enviara dinheiro a São Bernardo do Campo (SP), mas não recebera qualquer prestação de contas do sindicato comandado por Lula. Já naquela época, Lula se desvencilhou do problema. Não sabia de nada.
Na mesma viagem, o mesmo constrangimento voltaria se repetir nos Estados Unidos. Sindicalistas norte-americanos igualmente não teriam recebido a prestação de contas de um dinheiro encaminhado ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, berço político de Lula. Novamente Lula desconversou e fez que não era com ele. Francisco Weffort saiu da direção do PT em 1989, e desligou-se do partido em 1995. Trecho do artigo:
“Até então era difícil imaginar que um partido tão afinado com o discurso da moral e da ética pudesse aninhar o ovo da serpente. Minha dúvida atual é a seguinte: será que a leniência do governo Lula em face da corrupção não tem raízes anteriores ao próprio governo? A propensão para tais práticas não teria origem mais antiga, no meio sindical onde nasceu o PT e a atual ‘república sindicalista’?”.
É possível que jamais saibamos a resposta. Mas ao final da leitura uma possibilidade nos assalta: no espaço de uma ou duas décadas, quando o livro de Ivo Patarra for consultado, seus hipotéticos leitores talvez perguntem, qual Donas Elviras abobalhadas: como eles chegaram ao poder e lá permaneceram por tanto tempo? A resposta, hoje, inclui não somente o bom período econômico vivido pelo país, fruto principalmente do governo que antecedeu Lula, mas também a oposição inepta, o Judiciário moroso e senil, o Legislativo conivente – e o promíscuo imperativo da Lei de Gérson, único irresistível dever da maior parte dos nossos políticos.
Ouvindo mais uma vez a ária de Mozart, percebo que há algo de melancólico na cena, pois toda insaciabilidade é, no fundo, um caso patológico. A justiça dos mortos se encarregará, no final da ópera, de purgar a desolação de Dona Elvira, eliminando o deletério Don Giovanni. Quanto ao catálogo de Ivo Patarra, este não nos permite nenhuma melancolia, pois a denúncia dos crimes de uma quadrilha que se enraíza cada dia mais nos escaninhos do governo – centenas de homens movidos pela cobiça – inocula em nós um único desejo: que Nêmesis não seja apenas um mito, e que ela ressurja para cumprir seu papel, vingar os crimes e punir a hybris humana, ou seja, o crime do excesso, da desmedida, o ultraje e a arrogância que se acreditam intocáveis, acima de todos os mortais.