A poetisa Cecilia Meireles (1901-1964) contou de uma forma linda e real a história da Inconfidência Mineira. Ela escolheu os principais episódios e persongens e colocou-os dentro dos seus 85 romances. Aqui, no entanto, a palavra "romance" não tem o significado que geralmente se atribui como sendo a história em prosa e um pouco longa com enredo. Exemplos como o romance "Brás Cubas" de Machado de Assis ou " Os Maias" de Eça de Queiroz. Romace aqui é mais curto e altera a forma poética com a forma em prosa. Personagens como Chico-Rei, Chica da Silva,Contratador Fernandes, Joaquim Silvério,, Sapateiro Capanema, Alferes Vitoriano, Padre Rolim, Cláudio Manoel da Costa, Inácio Pamplona, Juliana Mascarenhas, Marília de Dirceu, Bárbara Eliodora surgem e são descritos nas suas ações e nos seus caracteres. Se se tem uma idéia da inconfidência os "romances" podem ser lidos fora de sequencia. Pode-se escolher e ler e reler os que achar mais lindos. Eu, por exemplo, considero o Romance Iv ou da "Donzela Assassinada" e o Romance XXIV , Da bandeira da Inconfidência como os mais lindos. Por isto transcrevo logo abaixo o romance IV da Donzela Assassinada. Leia-o com calma, pela imaginação veja a donzela no terreiro de sua casa e, se for possivel, tenha pena de um amor que foi tão brutalmente desfeito.
Romance IV ou Da Donzela Assassinada
“Sacudia o meu lencinho
para estendê-lo a secar.
Foi pelo mês de dezembro,
pelo tempo do Natal.
Tão Feliz que me sentia,
vendo as nuvenzinhas no ar,
vendo o sol e vendo as flores
nos arbustos do quintal,
tendo ao longe, na varanda,
um rosto para mirar.
“Ai de mim, que suspeitaram
que lhe estaria a acenar!
Sacudia o meu lencinho
para estendê-lo a secar.
Lencinho lavado em pranto,
Grosso de sonho e de sal,
De noites que não dormira,
Na minha alcova a pensar,
- porque o meu amor é pobre,
de condição desigual.
"Era no mês de dezembro,
Pelo tempo do Natal.
Tinha o amor na minha frente,
Tinha a morte por detrás:
Desceu meu pai pela escada,
Feriu-me com seu punhal.
Prostrou-me a seus pés, de bruços,
Sem mais força para um ai!
Reclinei minha cabeça
Em bacia de coral.
Não vi mais as nuvenzinhas
Que pasciam pelo ar.
Ouvi minha mãe aos gritos
E meu pai a soluçar,
Entre escravos e vizinhos,
- e não soube nada mais.
"Se voasse o meu lencinho,
Grosso de sonho e de sal,
E pousasse na varanda,
E começasse a contar
Que morri por culpa do ouro
- que era de ouro esse punhal
que me enterrou pelas costas
a dura mão de meu pai –
sabe Deus se choraria
quem o pudesse escutar,
- se voasse meu lencinho
e se pudesse falar,
como fala o periquito
e voa o pombo torcaz...
"Reclinei minha cabeça
Em bacia de coral.
Já me esqueci do meu nome,
Por mais que o queira lembrar!
"Foi pelo mês de dezembro,
Pelo tempo do Natal.
Tudo tão longe, tão longe,
Que não se pode encontrar.
Mas eu vagueio sozinha,
Pela sombra do quintal,
E penso no meu triste corpo,
Que não posso levantar,
E procuro meu lencinho,
Que não sei por onde está,
E relembro uma varanda
Que havia neste lugar...
"Ai, minas de Vila Rica,
Santa Virgem do Pilar!
Dizem que eram minas de ouro...
- para mim, de rosalgar,
para mim, donzela morta
pelo orgulho de meu pai.
(Ai, pobre mão de loucura,
que mataste por amar!)
Reparai nesta ferida
Que me fez o seu punhal:
Gume de ouro, punho de ouro,
Ninguém o pode arrancar!
Há quanto tempo estou morta!
E continuo a penar.