A graça que desejamos obter do Espírito Santo nos Exercícios Espirituais é a de contemplar mais profundamente a obra de Deus. Não é certamente difícil contemplá-la em Jesus, porque nos evangelhos sua figura é cheia de fascínio e mistério. Contemplar, contudo, os acontecimentos da salvação em Cristo, que se prolongam na Igreja, exige um suplemento de fé e oração. São muitas as pessoas que aceitam o Evangelho, que aceitam a Jesus, mas que não querem aceitar a Igreja.
Nesse sentido, a contemplação dos Atos dos Apóstolos significa um passo a mais. O evangelista Marcos não ousou continuar seu relato e o concluiu com o anúncio da ressurreição de Cristo. Mateus chegou até o mandato da missão universal. Só Lucas teve a coragem de prosseguir a narrativa da obra do Pai na história através da Igreja. A graça que pedimos ao Espírito Santo é, portanto, muito importante. Sem ela, teremos talvez pessoas de Cristo, mas não do Cristo total, não pessoas da Igreja.
Para nos dispor ao dom de Deus, vamos fazer a “lectio divina” ou a leitura orante de algumas páginas dos Atos dos Apóstolos. Por isso, proponho uma meditação preliminar sobre a lectio divina.
Como textos de referência, é bom ter presentes dois versículos do evangelho de Lucas: “Maria, porém, guardava todos estes acontecimentos, confrontando-os no seu coração” (Lc 2,19) e “sua mãe guardava todos estes acontecimentos em seu coração”(Lc 2,51b). E também um texto dos Atos onde se diz que os fiéis da comunidade da Beréia “se mostraram mais abertos que os de Tessalônica e acolheram a Palavra com muito interesse, examinando (lendo e relendo) cada dia as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo” como Paulo explicava (At 17,11).
Nestes textos temos o prolongamento da memória de Cristo:Maria o faz, contemplando os acontecimentos e tocando o Verbo; os habitantes da Beréia o fazem, lendo as Escrituras, recordando-as e interrogando-as para compreender a ação de Deus na história.
Vamos nos perguntar agora:
1 - O que é a lectio divina?
2 - Qual a sua estrutura?
3 - Qual a sua relação com a nossa vida cotidiana?
1 - O que é a Lectio Divina?
A lectio divina é o exercício ordenado da escuta pessoal da Palavra.
Exercício:
É alguma coisa de ativo e, portanto importante. Em nossa experiência religiosa há muitas coisas passivas, que fazemos conduzidos por outros ou por hábitos. A lectio é um momento em que alguém participa, decide, caminha. Os Exercícios Espirituais não são, em primeiro lugar, ouvir pregação: são movimento, atividade pessoal de oração e contemplação. A lectio divina é uma destas atividades.
Ordenado:
É um exercício que tem uma dinâmica interna muito simples e que, muitas vezes, esquecemos. Em consequência, achamos a Escritura árida e concluímos que não nos serve para orar.
Da escuta:
A lectio é uma escuta, um receber a Palavra como dom. As características desta escuta são as de Maria que, após ter escutado, obedece e diz: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38). Uma escuta, portanto, que produz uma atitude de adoração e de receptividade. Nas Escrituras, não deveríamos buscar em primeiro lugar alguma coisa para falar aos outros ou qualquer coisa que nos interesse: precisamos deixar que Deus nos fale.
Pessoal:
Não se trata de escutar uma pregação ou uma homilia, uma palavra proclamada na Igreja. É o momento pessoal da escuta que corresponde necessariamente ao momento comunitário. Há uma estreita relação entre a Palavra proclamada na Liturgia e a Lectio que é como que o prolongamento e a preparação pessoal da escuta comunitária. Sem a escuta comunitária a lectio divina torna-se individualismo; sem a lectio divina, a escuta comunitária cai em generalidades.
Da Palavra:
É Deus que fala, Cristo que fala, o Espírito que fala. Fala-me a Palavra que me criou, que tem o segredo da minha vida, a chave da minha situação presente, que tem o segredo do caminhar da Igreja, a chave das situações históricas atuais. Fala-me o Espírito que penetra cada realidade econômica, social, política, cultural do mundo. É sempre escuta da Palavra com maiúsculo: da Palavra que fez o mundo, que o sustenta, o conduz e rege com sua providência.
2 - A Estrutura da Lectio Divina